4/26/2008

fratre caedere quotidianu

O moleque que ganha a vida vendendo jornal no semáforo ganha trocados como nunca antes: o ritmo das notícias é alarmante, surpreendente. Mesmo que não acompanhemos, é sempre um disparo contra o coração. Pobre escravo da mídia!
Mas o sinal abre novamente e você segue apressado, sempre atrasado. Olha para o relógio, enquanto acende um cigarro no outro. Pobre escravo do tempo!
O garoto continua ali, no mesmo sinal, todos os dias. E sob o mesmo sol, os mesmos olhos de pena encenada observam-no através da janela do carro. Ele talvez sequer rasteje pelas razões corretas, mas nunca fui adepto mesmo da teoria de que os meios justificariam quaisquer fins. Talvez você tenha ouvido falar sobre essa teoria. Pobre escravo do controle remoto!
Talvez a mãe dele esteja muito doente e precise de remédios. Talvez ela esteja criando os seus outros irmãos neste instante e seu marido a abandonou. Talvez ela nem mais esteja entre nós nesse exato momento. Ou ele está apenas conseguindo alguns trocados, como um parasita egoísta, se alimentando da essência humana e de sua miséria, para cheirar cola ao final do dia, e assim ter a sua evasão. O que o tornaria menos merecedor de um escape da realidade? Jovem retrato do cárcere!
Você pouco se importa com isso, é a única verdade vista através dos óculos Dolce e Gabana de última coleção que ostenta por trás do vidro embaçado - do eleito carro do ano da última semana - pelos pingos de chuva, enquanto o jovem vendedor tenta se esgueirar para a sombra de um coqueiro. Jovem retrato da desigualdade!
Aquele momento é único. É o tênue instante em que a sua vida se depara e se contrasta com outra realidade. Você volta-se novamente para o volante, continua a mascar o seu trident sabor canela calmamente, enquanto Mariah Carey desafina no seu mp3-player.
O sinal abre novamente, seus filhos o esperam na escola que aquele moleque nunca irá estudar, seu marido lhe espera para jantar naquele restaurante em que o menino jornaleiro nunca vai entrar - não sem ser barrado e retirado ostensivamente.
Se assim o ocorresse, você sentiria pena ou pelo menos a fingiria perante os outros olhos curiosos, ou sinceramente sentiria apenas o prazer oculto de não se ver refletido na face do jovem jornaleiro?

Aaah, pobre retrato de um jovem fratricídio cotidiano.

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