6/11/2008

II

Abri o portão. Olhei para baixo, ela correspondeu ao olhar. Eu não consegui mantê-lo por muito tempo. Olhos verdes em meio a toda aquela sujeira, àqueles cabelos emaranhados de podridão! Os meus problemas pareciam tão mundanos então. Tão vulgares. Talvez ela tenha persistido a me encarar, talvez não. Dirigi-lhe então a palavra e perguntei-lhe o que desejava - mas já conhecia a sua resposta.
Um gesto mecânico - inúmeras vezes ensaiado, talvez sequer um deles atuado de forma teatral. Seus pais receberam ensino algum do Governo. O ato clemente de levantar a mão e sussurrar por um pão foi ensinado pela rotina de seus pais. A vida ensinou melhor do que qualquer livro enfatizaria os modos rudes do mundo.
Algumas coisas não se aprendem com páginas amareladas. Mas não acho que se possa negar algo àqueles olhos. Encostei o portão e na cozinha fui procurar o que lhe entregar.
Enquanto colocava alguns pães em uma sacola, pela campainha a via me esperar. Os filhos do vizinho passeavam em suas bicicletas na calçada à frente. A garota dividia sua atenção entre a boneca encostada ao corpo e a observar os garotos.
Enquanto procurava na geladeira por algumas frutas, algo que lhe adoçasse o paladar, os garotos desceram de suas bicicletas e começaram a falar com ela.
De uma das mãos de um dos meninos - talvez o mais baixo, talvez o mais comprido - uma pedra foi atirada em direção à garota dos olhos verdes.
E o seu grito se deu a ouvir. Dirigia-me ao portão novamente, com a impressão de realmente caminhar em um mundo repleto de anjos e insetos.

Nenhum comentário: